Para ter conhecimentos acerca da população, o modo aparentemente mais seguro seria o de realizar uma análise de cada um dos indivíduos que fazem parte da população. Esse é um tipo de pesquisa que muitas vezes é cara e demorada, tanto que o Brasil somente faz um mapeamento censitário (ou seja, que levanta informações sobre todos os indivíduos da população estudada) de seus cidadãos a cada 10 anos, e levanta um número de dados bastante restrito com relação a eles.

Com o tempo, desenvolvemos instrumentos que nos permitem levantar dados com relação a um grupo pequeno de indivíduos e inferir, com certa segurança, as características gerais da população que eles integram. Chamamos de amostra esse pequeno grupo, que é efetivamente analisado. E chamamos de universo amostral o grupo a partir do qual a amostra foi selecionada. Em muitos casos, a pesquisa por amostra é mais segura do que as abordagens censitárias, que são normalmente incapazes de levantar dados sobre a totalidade dos indivíduos.

Imagine que o censo dos brasileiros, feito pelo IBGE, consiga atingir 90% dos lares, o que envolve um esforço imenso. Aparentemente, as conclusões seriam sólidas a partir de uma amostra tão grande, mas é possível que a maior parte das pessoas que não conseguiram ser entrevistadas sejam pessoas em situação de vulnerabilidade. A depender do perfil dessas pessoas que ficam excluídas do censo, o resultado da investigação poderia ser tão distante da realidade que uma pesquisa de caráter amostral, feita com os devidos cuidados, nos daria resultados mais sólidos.

Em boa parte dos casos de pesquisas de mestrado, não é possível ter (em tempo hábil e a custo factível) informações sobre todo o conjunto de objetos que se pretende mapear e explicar. Por isso, o mais comum nas ciências sociais é que o pesquisador se veja na necessidade de promover uma restrição muito grande da população estudada (para poder fazer uma análise exaustiva de suas unidades) ou de optar pela definição de uma amostra.

No campo jurídico, a escolha do caminho amostral tem a dificuldade particular de que as faculdades de direito não oferecem formação estatística a seus estudantes. Porém, o desenvolvimento dessas habilidades pode ser um requisito necessário para a realização de certos tipos de pesquisa.

Porém, o caminho censitário também tem as suas dificuldades, pois é comum que ele exija tempo e investimentos que são incompatíveis com os mestrados. Uma exceção importante aqui é a pesquisa de dados, pois o processo de informatização dos tribunais gerou uma multiplicidade de dados (como as decisões) e de metadados (as classificações feitas pelo tribunal, como os tipos de decisão) que são acessíveis aos pesquisadores. Com isso, no que toca à pesquisa de dados, é possível realizar recortes censitários sem que seja necessário uma multiplicação dos custos e do tempo.

Essas pesquisas envolvem o desenvolvimento de capacidades específicas, em termos de descrição e análise de dados, que também demandam tempo e dedicação dos estudantes que desejam se capacitar. Essa capacidade de interpretar os dados também tem uma interface com a estatística, mas com a estatística descritiva (voltada a compreender os dados a partir de certas medidas) e não da estatística inferencial (que desenvolve modelos voltados a identificar quais são as correlações que podem ser entendidas como relações de causalidade).

4.2 Estudo de caso

No caso do direito, muitas vezes não se faz um estudo censitário nem um estudo amostral, mas o pesquisador escolhe tratar de um objeto concreto específico, que é o que chamamos de estudo de caso.

O estudo de caso não foca uma população de objetos, mas um objeto determinado: uma pessoa, um processo, uma decisão, uma coisa, uma família. Focar em um indivíduo limita imensamente a possibilidade de fazer inferências, já que o conhecimento acerca de um objeto muito determinado não permite extrapolar esse conhecimento para outros indivíduos da mesma população (de pessoas, de decisões, de países, etc).

Por mais que os casos escolhidos sejam considerados paradigmáticos, o pesquisador não tem como extrapolar as suas conclusões sobre o caso para a população de casos. Embora o estudo de casos seja de vez em quando entendido como se fosse uma amostra unitária, não há conclusões sólidas que se pode retirar para uma população, a partir de um caso determinado. O caso não deve ser entendido como uma amostra, nem como um exemplo, nem como um modelo: ele precisa ser encarado como um objeto complexo, a ser interpretado por meio de uma estratégia específica.

O foco no caso pode ser muito relevante em pesquisas exploratórias, pois a restrição da amplitude é normalmente compensada por uma riqueza de análise, que pode explorar muitas conexões: históricas, sociológicas, econômicas, etc. Essa exploração intensiva (e não extensiva) pode revelar uma série de conexões que podem ser posteriormente estudadas. Uma das vantagens do estudo de caso é que ele permite a multiplicação de estratégias (entrevistas, observação participante e levantamentos quantitativos, por exemplo), com o objetivo de oferecer uma descrição cuja complexidade possa tornar compreensível as situações particulares que fizeram o pesquisador entender que o estudo de um caso particular seria uma contribuição relevante.

Estudar um caso (especialmente quando o caso é um processo ou um julgamento) não configura um estudo de caso, exceto quando o pesquisador se dedica a gerar uma análise complexa e densa, entrelaçando várias perspectivas. Por isso, o estudo de caso nunca deve ser escolhido com uma forma de diminuir a complexidade do trabalho, visto que a sua realização somente é justificável quando ele serve para oferecer uma compreensão de múltiplas dimensões do mesmo objeto, de suas múltiplas relações com o ambiente.

No caso específico da dissertação baseada na combinação de artigos, é possível, como indica Maira Machado, usar o estudo de caso "como estratégia secundária ou complementar em um projeto adotando métodos múltiplos" (Machado 2017). Ele pode funcionar como elemento de pesquisa exploratória, voltada a definir as categorias a serem utilizadas em um estudo mais amplo. Mas, dependendo da justificativa acerca do caráter heurístico do caso analisado, ele pode ser também a estratégia central da pesquisa.

Quando o estudo de caso ocupa o centro da pesquisa, o desafio de fazer um bom projeto se intensifica, pois é preciso estabelecer com cuidado as estratégias de abordagem. Que perspectivas serão utilizadas? Que dimensões serão exploradas? Que categorias vão guiar essa exploração? Quais serão os dados levantados? Tudo isso precisa ser pensado com cuidado para que o estudo de caso tenha a densidade necessária para ser compreendido com uma investigação autônoma.

E note que a situação não melhoras se você escolher alguns objetos, em vez de um só. É difícil justificar a escolha de um caso específico. Mas é mais difícil ainda justificar a escolha de dois ou três casos individuais, que serão estudados com menos complexidade do que um caso único, mas que não representarão uma amostra válida. A escolha de alguns objetos (especialmente de algumas decisões) normalmente é ditada pelo viés de seleção do pesquisador, que considera que esses objetos são exemplares ou paradigmáticos.

A a extrapolação das conclusões de alguns casos selecionados por critérios intuitivos ou arbitrários é tão indevida quanto a extrapolação das conclusões sobre um caso particular. Porém, quando estudamos um conjunto restrito de casos, podemos cair mais facilmente na tentação de considerar que se trata de uma amostra representativa. Assim, quando um projeto de estudo de caso é criticado por não ser justificada devidamente a sua relevância, a adição de mais alguns casos costuma piorar a situação, em vez de melhorá-la.

É possível que você tenha escolhido fzazer um estudo de caso porque considerou que era importante dar uma maior divulgação ao objeto que você escolheu como caso: uma decisão que você acha que não foi valorizada suficientemente, uma situação de abuso que as pessoas não conhecem, uma situação tão absurda que você acha que todos deveriam conhecer. Porém, devemos tomar cuidado com a ideia de que um caso é relevante porque ele não é suficientemente conhecido, visto que a sua percepção de relevância pode decorrer do fato de que aquele caso específico impactou a sua sensibilidade (por exemplo, por ter sido a primeira vez que você notou um fenômeno), mesmo que ele não seja particularmente relevante. Portanto, se você optar por um estudo de caso, dedique um cuidado especial para a sua justificativa, pois é bem provável que você seja questionado sobre a relevância dessa pesquisa para o campo do estudo que você propõe.